14 de setembro de 2014

Quatro poemas do livro inédito Máquina de fazer mar, de Augusto Guimaraens

Andy Kehoe - Our Wondrous Journey - 2014

wahrol tv

Dial M for Model 
Pense na tristeza das câmeras. Pense na Warhol TV. 
Pense em um monstruoso zapping de televisões que estivessem
Sempre “on air”. Pense em um anjo vindo de Pittsburgh;
Um anjo de antenas & não de auréolas
Um anjo tão comum quanto o nosso tempo
Pense nos olhos gordurosos do POP, este anjo trôpego
A pisar por escadas de emergência
Pense em tigres encurralados
Pense até em ancorar um navio no espaço
Warhol queria ser enterrado de jeans
Pense em Warhol impregnado de jeans, sepultado
como um mágico que dissipa seus truques
antes de desperdiçá-los
Pense na Warhol TV. Pense no dia em que a maquiagem falhar.


 remédio veneno

Todo amor também é bélico, requer
navalhas & pequenos barcos selvagens
de papel, requer que se improvise
escultura de sua poeira, que se faça diamante
de sua ruína

Todo amor que é bélico, manancial do Presente,
semente de uma tatuagem mental, o amor faz
sangrar os pássaros

Todo amor coleciona abismos
como quem recolhe precipícios, como quem
acolhe a aridez de sua chuva;
sem os dentes não há amor possível;
suas estruturas descem para vida

Todo amor é bélico, asa que paira no azar,
seu corcel é aflito, wild horses,
de sua cloaca humana jorra ouro,
de seus objetos nascem pequenos deuses efêmeros
O amor não deixa sobreviventes


goma arábica

Cabelos de relâmpago cobrem o véu
Dos óculos
Relâmpagos nos cabelos reúnem a ferrugem carmesim
Do sol
O céu estrelado é preso por uma cola de goma arábica
§
Pessoas se misturam às paisagens para navegar nas pálpebras de [óculos sem molduras
A cidade guarda seus acervos nos incêndios da memória
  nua como uma terra de fio a pavio
§
Cabelos em relampejo cobrem as cortinas da lua,
árida pantera,
estéril lua de cabelos infecundos
a afundar por treva adentro
§
Anjos do éter trazem suas almas
incendiadas pelos outdoors,
as entranhas da noite são presas por
 uma cola de goma arábica
§
                              São estes supermercados de corações usados
Doces mercados descartáveis
de corações descartados
Os supermercados do amor estão sempre lotados


carnaval 2
 
Era este um mundo sem calmantes & sem troféus
Era esta uma procissão de Macunaímas dissuadidos
procissão dos desiludidos no amor
Eram estas esquinas inevitáveis
banalidades acinzentadas de pólvoras acidentadas
abarrotadas de tédio gris
§
Um filme queria rasgar a tela
Peixes eram cobertos por serpentinas envelhecidas
As meninas & suas pélvis eram compostas por
[redes de apanhar borboletas
Cigarros também tombavam como folhas mortas
§
Ninfa do cimento desfila sobre o vórtice da vertigem
Bebe seu Dionísio engarrafado para depois deixar raiar
seu eclipse na mais fina flor
No mercúrio cromo do mar uma mulher se veste de avesso
com seu parangolé de navalhas
Carrega sua capa composta pelo jasmim da palavra jamais
§
É preciso tomar muito cuidado com o que brilha
As paisagens também sonham
assim como as mãos também raciocinam
com suas pequenas raízes de carne
amadurecendo & avançando na árvore do cérebro
§
Os dedos lúcidos percorrem outros azuis
com uma vertigem do tamanho de um mar
ou de uma cortina de fumaça
Ainda é ampla a cratera no peito
Os olhos possuem o mesmo abismo de lâminas
O tempo, este rei pândego iluminado por estrelas do éter,
um rei endomingado de chumbo derretido, 
O tempo, lapso & colapso a compor
a chuva imóvel deste nosso tempo
§
Ela me fez acreditar no infinito da linguagem



Augusto Guimaraens é poeta e romancista. Já lançou: Poemas para se ler ao meio-dia (2006, 7Letras); Os tigres cravaram as garras no horizonte (2010, Circuito) e Fui à Bulgária procurar por Campos de Carvalho (7Letras). Atualmente prepara o livro Máquina de fazer mar. Para mais informações, ver: www.augustoazul.blogspot.com