18 de abril de 2017

Poemas inéditos de Tiago D. Oliveira






10 textos de
NO FINAL SÃO OS CONTORNOS DO TEMPO


Tu deseo es que los objetos se mantengan em silêncio
Aníbal Cristobo


um elefante branco

se tudo fosse a fotografia não
havia um pequeno elefante branco
sobre o criado mudo e a carta
não também não era a carta
dentro do segundo parágrafo
um único e fresco borrão
ou um pingo de chuva ou não
uma lágrima isso
uma lágrima era tudo o que tinha
que podia até ser minha mas não
havia algo a mais dentro
daquele momento
tornando como os pingos de chuva
de uma noite inteira se tudo
fosse a fotografia não é
possível separar nada agora
se tudo fosse a fotografia
enquanto esfrego a ponta dos dedos
no pequeno elefante branco
como uma lâmpada mágica


[o que cresce de nós]

A pessoa que mais amo
é feita desse mirante,
dessa época do ano,
do perto desse instante.
Carlito Azevedo

o que cresce de nós
é feito deste movimento da tarde
sobre as nuvens
as cores tornando as dores
impassíveis dentro de mais um suspiro
um fio de melancolia de braços abertos
de nós o que cresce
é o antissilêncio no peito
e se calamos é para entender
todas as vozes
e se calamos é para aceitar
que ainda existem
libertas nas formas de afeto
o que cresce de nós na distância
enquanto escorre a lágrima
do rosto da criança
que exaurimos ou expulsamos
em um pensamento triste


no final são os contornos do tempo

com palavras e as mãos atentas
às linhas dos contornos contornos
que há um momento alguns digamos
que palavras e mãos se tornam iguais
com sombras e marcas iguais até
que ponto uma palavra pode pesar
deixar seus contornos e pesar retas
paralelas sem balanço algum
retas somente retas
palavras mãos atentas ou não
ao peso que acessou às suas curvas
para sentir nas nuances a veia
pulsante nos contornos dos dias contornos
que há um momento tênue momento
em que as palavras são esvaziadas
como as retas servem para encurtar
há desses em que só o silêncio
consegue relaxar as formas devagar
recolocar cada curva em seu desalinho
cada reta em descordo com o chegar
para sentir a brisa pele dos contornos


23.11.2009

há um segundo e meio
indo e vindo
você lendo Rakushisha
diluindo os rompantes flutuantes
no movimento dos olhos
enquanto volto a faixa
trem das cores: balanço
os dois lados da moeda
um segundo e meio
uma vida inteira


V

desprotegidos há tempos
somente estes dez segundos
cinco para lembrar e cinco para esquecer
existe nas entranhas um registro
que insiste em bagunçar
dentro deste pequeno caos individual
que aproxima todas as dores
dez segundos para viver
dividir entre lembrar e esquecer

queria perder alguns cantos

o último assento do lado direito
do elétrico Jerónimos – Cais de Sodré
a fumaça das sardinhas como névoa
o sopro que antecede o metrô
a chuva no miradouro do Adamastor

queria o que cresce nos mínimos



[a sua voz esticada a porta]

a sua voz esticada a porta
do elevador fechando e a palavra
açúcar – não esqueça do açúcar –
entre o 9º e o PG lembro
das ondas e do duplo do mar
daquele que entende diante do poema
que é preciso aprender a ficar submerso
volto para o açúcar e o elevador sacode
abre a porta – bom dia seu zé – será será
um duplo de beleza despercebida
açúcar e o sinal quebrado
os carros abrindo e fechando a luz
e não chove e não há uma folha
solta voando só os prédios percebem
o som da nossa voz sob nós
é preciso aprender a fica submerso
é um poema de Alberto Pucheu
submerso no mar no trânsito
das ondas até que sejas
lançado de volta para a superfície
quando era menino mergulhávamos
no tanque da laje de Duda
um minuto um e trinta
um e cinquenta dois
o ar nunca foi igual:
vivemos para respirar
entre o açúcar a folha
e o poema de Pucheu
caminho em silêncio entre
escrever é ter acesso
é aceitar a diferença que há
no peso dos corpos sobre a terra


[que seja a sua própria vela o poema]

que seja a sua própria vela o poema:
quando o cabo do revólver quebrou
a janela do carro solfejava este verso
depois fiquei na marginal
assombrado com o delírio
do impulso do vento que seja
a sua própria vela o poema:
é a dimensão que tateia o homem
a empurrar uma arma tomar
um carro bater num poste
no dia seguinte não saber
se foi sonho ou vida
o gosto de sangue na boca
e o que se repete pede
pede pele
como um abraço traduz
o amor é mais a parte
que ainda não compreendemos


[a Geni do Chico como um pêndulo]

a Geni do Chico como um pêndulo
a imagem muda para o mar
ela continua como as ondas
que recomeçam sem fim
mas ainda carrega um leve
regalo de beleza crua
sangrando sem perder
a paz repugnada na fome
do mundo há uma Geni
inflamando o mistério
entre generais e gerânios
acho que essa é a melhor
definição deste amor


[depois de recitar sobre o cânion]

depois de recitar sobre o cânion
que há na moldura do espelho
ria sem parar ria
água por água imensidão
que existe em desdenhar
da própria dor colocar
um jarro de flores sobre a mesa
passou o dedo lambido na sobrancelha
ajeitou os calcanhares seu tango
sempre foi a melhor parte
dos dias a melhor
façamos assim – essa voz
uma prosa poética ou
um poema em prosa ou
a chave de casa a mesa
deixamos de agradecer não
havia mais recados na porta da geladeira
o toque acontecia nas mensagens
pelo celular entre um café e outro
foi o que descobrimos um tempo depois
quando Caetano cantou Surucucu Paloma
o uivo machucou uma certeza cega instalada
há tempos é quase nada quando Caetano
soprou a miséria pesou certa
quando o suor quedou em força
estávamos os dois prontos


[a piaçava empurrando]

a piaçava empurrando
os confetes molhados
sobre o azulejo
no movimento dos braços
a alegria de ontem inofensiva
como as bitucas de cigarro

você me disse certa vez
que o amor é reconhecido
como uma voz no escuro

os pés de lá para cá não dançam
perseguem os restos da comemoração
que não importa não chega
o que há de ser comemorado
amanhecido no domingo

eu que nunca quis vender
a razão para o coração
ainda temo a banalização
do amor na sala de estar

depois do lixo reunido
cadeiras e mesas sobrepostas
as janelas e portas fechadas
na noite sempre anterior
a vida também é uma festa
tal como nas pedreiras
o suor e o canto temperam
este fio de sol que rasga o céu
e há dias em que o sorriso existe

enquanto aceitávamos
as curvas das imperfeições
maturávamos o abraço
e o olhar para a casa simples
aos pés de um rio que não cessa
para o que se coloca a sobrar:
que observasse as borboletas
                              borboletas


Tiago D. Oliveira, estudou Letras na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e na Universidade Nova de Lisboa (UNL). Em 2014 lançou o livro de poemas, Distraído, pela Editora Pinaúna, no Brasil, o primeiro solo. Em 2016, saiu o Debaixo do Vazio, pela Editora Córrego. Tem poemas publicados em algumas revistas e jornais especializados no Brasil e em Portugal, como também em algumas antologias.



imagem Maess